14 de maio de 2021
Por Natália Teles
A trajetória de Dalila Maria de Fátima Lisboa começa no Quilombo Mesquita, situado na Cidade Ocidental (GO), lugar de afetos e muita história.
Dalila iniciou seus estudos no quilombo, mas ainda nos primeiros anos do ensino fundamental mudou para uma escola fora da comunidade. Sua trajetória escolar sempre foi marcada por muito esforço e superação, pois as distâncias eram grandes e as condições difíceis, e nesse contexto, o esforço e a luta da sua mãe foram fundamentais para seguir com seus estudos.
Depois de concluir o ensino fundamental e médio na rede pública de ensino, o passo seguinte seria o curso superior, entretanto, não havia na época recursos para um curso preparatório. O cenário mudou quando surgiu a oportunidade participar de um pré-vestibular gratuito, com apoio do seu companheiro. O Serviço Social não era sua primeira opção, inicialmente, ela havia pensado em cursar Jornalismo, contudo, depois de ter acesso a discussões, sobre política, questões sociais e raciais durante o preparatório, outro o curso começou a chamar sua atenção.
Em 2008 Dalila passou no vestibular e iniciou a graduação em Serviço Social na Universidade de Brasília- UnB e na mesma época começou a trabalhar como professora particular para poder se manter na universidade, era necessário gerenciar o trabalho com a vida acadêmica. Ela conta que foi um momento importante na sua vida, marcada por muito esforço e dedicação.
“Eu não podia ser uma aluna medíocre, eu tinha que fazer valer a minha vaga, eu estudava muito, eu quis estudar para se uma boa profissional”.
Depois da formatura, em 2012, era preciso seguir e conquistar novos espaços, por isso, Dalila decidiu estudar para concursos públicos, e após algumas tentativas e aprovações, a demora para ser nomeada levou Dalila a tentar outros caminhos, contudo, a vontade de crescer e avançar era constante. Nesse período, ela passou para residência na Secretaria de Saúde do DF e pouco tempo depois foi nomeada para uma vaga na Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB).
As condições adversas levaram Dalila a tomar uma decisão difícil, partir para Bahia e assumir a vaga na UFOB, sem a companhia do esposo e do filho, e além disso ficaria pela primeira vez longe do quilombo, até então, ela não havia morado em outro lugar. Pouco tempo depois de tomar posse na (UFOB) uma notícia mudou sua trajetória, ela havia sido nomeada para vaga de assistente social no Instituto Federal de Brasília (IFB). Foi uma surpresa e um alívio, uma vez que, após muita luta conquistou sua vaga e consequentemente retornaria para sua casa. A posse ocorreu em 2019, e hoje Dalila trabalha no IFB, campus de Planaltina.
Inicialmente, ela não pensava em atuar na área da educação, mas desde que começou a trabalhar no Instituto, seu olhar mudou com relação ao trabalho da/o assistente social no ambiente escolar.
“Eu gosto muito de lá, os alunos com que eu trabalho são alunos da minha realidade, que precisam de auxílio, negros, filhos de mãe solteira, que sobre horrores para poder concluir o ensino médio eu gosto muito mesmo. É gratificante trabalhar em um lugar e saber que os alunos vão ter acesso aos seus direitos, a uma educação de qualidade”.
Dalila conta que sempre considerou os estudos um meio importante de crescimento pessoal e um caminho para melhoria da condição socioeconômica. Nesse sentido, ao ser questionada sobre a dificuldades de muitos jovens, em quilombos ou em lugares mais afastados, de prosseguirem com seus estudos, ela pontua:
“Quantas vezes a gente saia de baixo de chuva para estudar para ter uma vida melhor, mas tem gente que nem tem essa oportunidade, de conseguir ir para cidade para estudar, tem que trabalhar tem que abandonar os estudos. As coisas melhoraram um pouco hoje, mas quando eu entrei na UnB, fui a primeira pessoa daqui a entrar na universidade pública, hoje já temos outras pessoas”.
Considerando esse contexto e os desafios impostos ao exercício profissional da/do assistente social no contexto da pandemia, especialmente na assistência estudantil Dalila comenta:
“Quem necessita da assistência estudantil tem o mínimo, e esse pandemia exacerbou a negação e a violação de direitos, e nós tentamos o máximo, mesmo que de forma remota, garantir esse direito. Tinham dias muito frustrantes, muito cansativos, de receber e-mail ou WhatsApp de aluno que estava sem alimento, tem sido um momento muito desafiador e adoecedor ”.
Em 2020, Dalila iniciou o mestrado na UnB, e atualmente pesquisa o acesso das mulheres quilombolas a saúde sexual e reprodutiva. Sobre o ambiente acadêmico, Dalila observa que há a ausência de pesquisas relacionadas a população quilombola e pouca representatividade de pessoas negras, especialmente de quilombolas, nos diferentes espaços acadêmicos, inclusive nas posições de maior destaque. Nesse sentido, questionada sobre o fato de hoje ser uma referência para os alunos, ela finaliza.
“Eu não me vejo como inspiração, mas eu tento passar para as pessoas que elas têm que buscar o melhor para vida delas, que a gente não é obrigado a viver a vida toda com o mínimo, que a gente pode lutar por coisas melhores. Quando eu vejo que os alunos estão desmotivados eu costumo a falar que no final tudo vai dar certo, que as dificuldades são importantes para a gente crescer e dar valor. Hoje eu dou valor no que conquistei, mas foi porque sofri muito, nada foi fácil ou caiu por acaso na minha vida. A chuva que caia do céu me molhava na parada, mesmo com todas as dificuldades, com lagrimas, se você chutar o balde, vai lá e busca o balde. É preciso buscar o balde todos os dias”.
Assessoria de Comunicação CRESS/DF – 2021
Ainda há tempo, Vamos resistir e transformar!